terça-feira, 2 de novembro de 2010

O materialismo histórico do grunge


É incrível como certas palavras nos podem marcar pelo seu sentido. Durante esta semana, em que tive muito tempo para reflectir sobre o tempo que não está ocupado e ainda por cima estava com gripe, comecei a ler o livro de Walter Benjamim o Anjo da História. Por intermédio da Ana Cláudia que está a tirar o mestrado de História, especialidade de Idade Contemporânea na Universidade do Minho
Livro esse que ainda não acabei de ler, mas que mexeu com a minha capacidade de reflexão, principalmente pelas palavras que fazem um paradigma Materialismo Histórico. Uma teoria ligada a Karl Marx e que daquilo que conheço do autor aposta na sua pedra basilar da luta de classes, onde a infraestrutura e a super-estrutura "combatem" entre si no equilíbrio da sociedade. Consequentemente, um parágrafo do livro criou em mim uma emoção existencialista. O parágrafo foi o seguinte:
"Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa uma anjo que parece praparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada a as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Este vendaval arrasta-o imparavelmente para o o futuro, a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval".   

O Anjo da História Paul Klee 1879 - 1940
Aqui a palavra progresso adquiriu em mim um pensamento, o tal existencialista. Por outras palavras, pensei no meu passado e nos eventos que o marcaram. Mais concretamente os loucos anos 90, que foram a década da minha juventude. Juntando ainda os fragmentos de um outro livro de Walter Benjamim:  A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica. 
Dito de outro modo, por vezes percebo em determinados dias que, afinal o tempo não volta para trás. E mesmo sentindo-me ainda um jovem, por vezes reparo que houve momentos que me marcaram muito e que nunca mais voltam. 
Olhando para o excerto, sinto-me como um anjo da história que contemplando a imagem do tempo que passa de uma forma convencionada, percebe que um produto cultural sofreu o progresso da evolução. Esse produto cultural é a música e como toda a arte, sofreu a mudança dos tempos de adaptação. São os eventos em cadeia que desejava que acontecessem agora, mas já aconteceram no passado e com isso cria em mim uma saudade e uma fusão com o materialismo histórico. 

Capa da primeira edição do jornal Blitz
Mais concretamente o materialismo histórico senti-o no já desaparecido jornal Blitz, que veio dar origem à revista com o mesmo nome. Foram anos que passei com os olhos a ler os artigos sobre a música nacional e internacional. 
Foi nesses momentos que acabei por conhecer um género musical que estava a começar na cidade norte-americana de Seatle, o grunge. Um género musical que mais uma vez, na história da música, adquiriu fãs em todo o mundo durante a década de 90 e para sempre entrou para as suas épocas mais marcantes. 
E a década de 90 marcou a minha juventude, principalmente pelo grunge que foi o género musical que com os seus protagonistas, as bandas, marcaram a minha identidade da altura. Já alguma vez pensas-te nos momentos que passas-te a ouvir aquelas bandas e que agora nunca mais vão acontecer? Principalmente, por causa de pessoas que pertenciam ao teu circulo, mas que agora parece que desapareceram... Isso a mim faz-me confusão... Dizia eu no outro dia a uma amiga.
Kurt Cobain 1967 - 1994
O grunge transportou fronteiras e chegou aos ouvidos dos jovens que viram nos principais protagonistas dessa onda musical a sua necessidade de sobrevivência numa identidade de violência, revolta e expressão (na pintura aconteceu o mesmo com a corrente expressionista), abstracta e subjectiva (na pintura aconteceu o mesmo com as correntes cubista e impressionista) e, fundamentalmente, popular logo massificada (onde aconteceu o mesmo com a corrente de Andy Warhol para sempre conhecida como Pop Art que também modificou a arte da pintura). Como Kurt Cobain, mártir por excelência do movimento referiu:
"When I plush my time, I think when this sound surrond my ears for the first time. In this moment I became to know the GRUNGE from SEATLE". Kurt Cobain in 1991
Os signos desse período também estavam na indumentária que os grupos, minoritários entre os maioritários, usavam. Embora estes últimos também ouvissem grunge, mas por alguma razão não se identificavam com as características simbólicas do grunge e encontravam conforto noutros géneros musicais.
Estes signos, que ficaram para sempre ícones da história musical, foram: a já ultrapassada, ou talvez não, apenas adquiriu um novo simbolismo seguindo a corrente de pensamento de Peirce, camisa de flanela aos quadrados (marca basilar da tribo de contra-cultura do movimento grunge, que se personalizava com um pensamento niilista, sarcástico, anarquista e a prática do underground do Do it yourself, que curiosamente é um contraste com a corrente de Marx que referi anteriormente, porque este conceito assenta na teoria do Individualismo, que a Sociedade Capitalista criou), as calças de marca Levis rasgadas principalmente nos joelhos. Por coincidência a marca atingiu um pico de lucros muito altos nessa década e as All Star  de Chuck Taylor de cor preta.



Camisa de Flanela


Levis Rasgadas


All Star
Foi nesta indumentária, que constituída por aqueles elementos, vivi os já passados anos 90. Identificava-me com a filosofia que eles representavam e no meio do meu grupo todos nós tínhamos um elo que na cadeia nos unia. Neste materialismo encontrei a saudade da história que é recente, mas que por causa do vendaval que e o progresso leva a que a memória seja a única forma de guardar esses momentos. Um dos quais estava na posse do outrora desejado objecto Walkman que nos dias de hoje não conhece o sucesso do passado e até já não encontra pelo seu fabricador, a Sony, uma razão para continuar a ser produzido. Os tempos são outros e a tecnologia criou outros objectos (Ipod) que ocuparam o lugar que outrora já foi do Walkman, contudo no materialismo histórico que adquiri daquele passado, vou sempre sentir saudade de ouvir músicas como Smells Like Teen Spirit, Rape Me, Runaway Train, entre outras nas já desaparecidas cassetes que enfiava lá para dentro. Fica então aqui, e apenas isso, uma memória ao materialismo histórico que o grunge de Seatle inseriu para sempre na minha pessoa. 

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