1. O Aparecimento da Cultura de Massas
O Conceito de Cultura de Massas surge na transição do século XIX para o Século XX. Foi um momento de transformações irreversíveis na humanidade, onde há um rompimento do indivíduo com as instituições sociais; o fenómeno da urbanização (deslocação das pessoas do campo para a cidade); a centralização do poder e o nascimento da alienação no quadro da industrialização e da cultura de massas. Segundo SCANNEL (2008, pp. 32) é uma época onde “the question off the masses became inseparable from economic conflict and political struglle”. A literatura utilizou várias expressões para caracterizar este fenómeno: passagem do estatuto ao contrato (MAINE); da comunidade à sociedade (TÖNNIES); da solidariedade mecânica à solidariedade orgânica (DURKHEIM); da autoridade tradicional à autoridade legal - racional (WEBER).
KARL MARX foi o primeiro analista social que entendeu naturalmente a profunda reestruturação das relações sociais precipitadas pela revolução no fabrico em Inglaterra. SCANNEL (2008 – pp. 33) descreve que na perspectiva de MARX “the social relations of modern societes, redefined in terms of capital and labour, were intrinsically antagonistic and unjust. The just redistribution of the social suplus, created by labour but expropriated from it, could only be achieved, in MARX’s view, by political revolution”.
Neste sentido, a Sociedade de Massas pressupõe a libertação do indivíduo na obtenção dos seus objectivos. Ele encontra na sociedade de massas o seu único modo de identidade pela via do colectivo.
Contra esta sociedade começaram a aparecer autores que foram críticos da Sociedade de Massas: FRIEDRICH NIETZSCHE (O Crepúsculo dos Ídolos); JOSÉ ORTEGA Y GASSET (A Revolta das Massas) e Escola de Frankfurt (HORKHEIMER, ADORNO). As críticas surgem porque com a Sociedade de Massas o indivíduo perde a sua individualidade e porque a sociedade passou a ser mais homogénea. Então, cria-se uma Teoria Crítica da Sociedade de Massas que tem um objectivo: contribuir para emancipação das massas.
Com a Teoria Crítica o discurso mudou, já não é do domínio, mas sim da libertação do outro. O discurso deixa de ser corrente com as práticas dos média, porque o indivíduo nos supostos tempos livres não deixa de ser um consumidor. A cópia reproduzida em massa acaba por se impor como o único objecto no sistema de troca, inclusive ao nível da percepção, nomeadamente no cinema e na fotografia .
1. A Teoria Crítica à Cultura de Massas
A Teoria Critica à Cultura de Massas surgiu com a Escola de Frankfurt. Os autores Adorno e Horkheimer são os seus principais precursores. SCANNEL (2008, pp. 33) refere “However, a Institute for Social Research set up in Frankfurt, in the immediate aftermath of a hugely destructive European War,(…)”. HORKHEIMER (1968 – pp. 163) refere que:
“No meu ensaio "Teoria Tradicional e Teoria Crítica” apontei a diferença entre dois métodos gnosiológicos. Um foi fundamentado no Discours de la Méthode [Discurso sobre o Método], cujo jubileu de publicação se comemorou este ano, e o outro, na crítica da economia política. A teoria em sentido tradicional, cartesiano, como a que se encontra em vigor em todas as ciências especializadas, organiza a experiência à base da formulação de questões que surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade actual. Os sistemas das disciplinas contêm os conhecimentos de tal forma que, sob circunstâncias dadas, são aplicáveis ao maior número possível de ocasiões. A génese social dos problemas, as situações reais nas quais a ciência é empregada e os fins perseguidos na sua aplicação, são por ela mesma consideradas exterior. – A teoria crítica da sociedade, ao contrário, tem como objecto os homens como produtores de todas as suas formas históricas de vida. As situações efectivas, nas quais a ciência se baseia, não são para ela uma coisa dada, cujo único problema estaria na mera constatação e previsão segundo as leis da probabilidade. O que é dado não depende apenas da natureza, mas também do poder do homem sobre ele. Os objectos e a espécie de percepção, a formulação de questões e o sentido da resposta dão provas da actividade humana e do grau de seu poder”
Neste sentido, a Teoria Crítica aponta dedicar um procedimento criticador na comparação com a ciência e a cultura, expondo um argumento político de reestruturação da sociedade, de maneira a vencer o que eles intitulavam de "crise da razão". Compreendiam que a razão era a parte de concordância e de conservação do status quo, apresentando, então, uma meditação sobre esta racionalidade. Como refere SCANNEL (2008, pp. 34) “The task of intelectuals was to contribute to the emancipation and liberation of the masses, by identifying those forces in society that worked against their true human interests”. A dialéctica dá-se no sentido de compreender os factos organizacionais da sociedade, como a constituição do capitalismo e a industrialização, causando uma crítica à economia política, procurando na fragmentação de grupos os factores para aclarar o conhecimento do contexto social. Em síntese, com a Teoria Crítica à Cultura de Massas há um ensaio de analisar as relações sociais a fim de contextualizar os factos que ocorrem na sociedade.
2. O nascimento da era de massas, A mudança de ordem.
O aparecimento na Europa Ocidental, durante o século XVII, de um novo sistema económico: o capitalismo reestruturou todas as facetas da vida social, introduziu novos métodos de produção, reconheceu novas relações entre produtores e consumidores e acrescentou novos significados ao que se produzia. Por este facto, a publicidade é a expressão, a manifestação da cultura de Massas. A publicidade é criadora e definidora dos valores da cultura de massas.
Os valores culturais da sociedade de massas são materialistas, hedonistas e temporais, os seus produtos estandardizados, estereotipados e conservadores Pela primeira vez na história a cultura popular não é auto-gerada: é a criação de uma actividade centralizada organizada (media, agências de publicidade). A estrutura da economia de mercado liberal estabeleceu-se antes da instituição da democracia política. O conceito de liberalismo implica a comunicação de massas (acessibilidade da informação) cujos princípios tecnológicos remontam à invenção da imprensa no séc. XV). O capitalismo utilizou os novos instrumentos de persuasão para definir o significado da boa cidadania e da democracia: Um sistema de mercado livre é uma norma económica prevalecente. A livre escolha dos consumidores regula o mercado. A constante expansão do consumo pessoal é medida do progresso social e um objectivo moralmente desejável. A intervenção do governo no mercado obstrui o progresso e impõe conformidade aos indivíduos. A acção colectiva (contrária à prosperidade pública) não é desejável, ao contrário do consumo pessoal. As diferenças de classe vão desaparecendo, à medida que nos convertemos em consumidores de classe média.
A concorrência entre comerciantes: aparição de um esforço para persuadir e vender. O aumento do nível de vida das massas. Expansão da alfabetização. Institucionalização do processo de criação dos desejos. A publicidade como produto da revolução industrial: expansão das empresas para lá dos limites territoriais até consumidores que não têm conhecimento directo do fabricante O capitalismo exige que todas as classes se tornem consumidoras: vender as maiores quantidades possíveis colocando os maiores valores possíveis ao menor custo possível ao alcance o maior número possível de pessoas. A cultura do capitalismo é a cultura da independência do indivíduo. Somos o que possuímos e revelamo-nos aos outros através do que possuímos. O valor dos bens como símbolos de status (outros símbolos de valorização social, tais como títulos, dignidade ou património perdem a sua autoridade). A crença no poder dos indivíduos para conseguir por si mesmos a informação necessária para controlarem o seu destino pessoal. A mentalidade liberal concebe a sociedade como uma simples congregação de partes totalmente autónomas. O capitalismo incentivou os indivíduos a perseguirem os seus interesses egoístas. Supõe-se que cada indivíduo segue o curso de uma acção dirigida ao cumprimento dos seus próprios desejos. A presunção de indivíduos racionais com acesso à informação. Os desejos interpretam-se sobretudo em termos de satisfação material.
Alguns valores puritanos ainda sobrevivem (ambivalência em relação à publicidade). As tradições culturais do puritanismo versus os estímulos de uma nova economia capitalista. A emergente instituição da publicidade ataca a ética puritana, embora os símbolos da era passada sejam frequentemente utilizados na promoção de bens modernos de consumo (ambientes de tranquilidade rural, enlatados servidos em antigas cozinhas nostalgia de um mundo que a modernidade destruiu). Umas grandes quantidades de produtos anunciados preocupam-se com o conforto individual e com a aparência física de medicamentos, dieta, alimentos saudáveis, produtos de beleza. A perda do contacto directo com os clientes levou à invenção de uma nova instituição no mercado: a investigação de mercado. O estímulo artificial da procura para promover a oferta (satisfação de necessidades ou criação de necessidades? A «insaciabilidade das necessidades humanas e o novo.
3. A evolução do meio publicitário: a Hiperpublicidade (LIPOVETSKY, 2007)
A Publicidade, mais do que um meio de comunicação, assume-se, actualmente, como um dos principais motores da sociedade em que vivemos. Segundo LIPOVETSKY, depois da “Sociedade de Consumo” (BAUDRILLARD) da segunda metade do século XX, veio a “Sociedade do Hiperconsumo” vivida na era da “Hipermodernidade” (LIPOVETSKY, 2004). Aqui, destacam-se novas dinâmicas sociais de cariz hedonístico, caracterizadas pela valorização do tempo presente, da felicidade e do gozo pleno que, por sua vez, são alcançados através do hiperconsumo e da satisfação de todas as necessidades do ser humano.
Sensível a estas mudanças no campo social, o meio publicitário adaptou-se e segmentou-se. Passou a tratar o consumidor como indivíduo e não como massa, ampliando “a mercantilização dos modos de vida” e alimentando “um pouco mais o frenesi das necessidades” LIPOVETSKY, (2007, pp. 25). Assim, enquanto o indivíduo busca a felicidade imediata, a Publicidade multiplica as formas de felicidade a que este pode ter acesso, oferecendo-lhe sempre mais e incutindo-lhe ou recordando-lhe as suas variadas e infinitas necessidades que anseiam por satisfação. Já não se trata apenas do produto ou do status socioeconómico que este representa. Agora, as marcas vendem gostos particulares, prazeres privados e pessoais que podem ser materiais, emocionais ou conceptuais; e possuem um valor que nada tem que ver com as características do produto que vendem. Existe um culto em torno delas que, diz LIPOVETSKY (2007, pp. 50), “é o eco do movimento de destradicionalização, do impulso do princípio de individualidade, da incerteza hipermoderna”.
Neste contexto de (hiper) abundância de possibilidades, surge, naturalmente, a incerteza e a insegurança do indivíduo que, até há pouco tempo, fazia parte de uma massa. Que seguia as regras de uma comunidade onde todos eram semelhantes e onde a escolha era escassa e, portanto, fácil. Também neste aspecto, a criação publicitária teve que evoluir e criar um laço afectivo com o consumidor, “mistificar e fazer amar a marca” LIPOVETSKY (2007, pp. 96).
Assim, podemos aperceber-nos que a Publicidade tem um importante papel não só na evolução social da colectividade, mas, também, na evolução dos sujeitos individuais na construção das suas próprias identidades e modos de vida.
4. A publicidade e a sociedade de massas (liberalismo, democracia e capitalismo)
No capitalismo, os produtos só se tornam sociais em relação a outras mercadorias, escondendo-se a realidade social da produção de mercadorias. O feiticismo consiste em naturalizar propriedades das mercadorias que, de facto, são sociais: é encarar como eternas e naturais relações sociais que são historicamente específicas. Há um liberto controlo humano, o mercado irá, como que por artes mágicas, actuar em benefício dos seus fiéis (mercado livre). É no sentido da hipótese empiricista: necessidade e valor de uso. Os objectos são, antes de mais, função das necessidades, e ganham o seu sentido na relação económica do homem com o ambiente circundante. É a troca simbólica: o valor de prestação social, de concorrência e, no limite de discriminantes de classe. Falamos aqui de esteticização e feiticismo das mercadorias. Os objectos nunca se esgotam naquilo para que servem, e é nesse excesso de presença que ganham a sua significação de prestígio. A norma das atitudes de consumo é simultaneamente a distinção e a de conformidade (cada um reveste-se de signos distintivos que acabam por ser os de toda a gente. É o grupo de pertença e o grupo ideal de referência.
No valor de troca e valor de uso os objectos são portadores de significações sociais indexadas, portadores de uma hierarquia cultural e social - e isto no mais pequeno dos seus pormenores. Forma, material, cor, duração, disposição no espaço. Numa palavra constituem um código. Através dos objectos, cada indivíduo e cada grupo procura o seu lugar numa ordem procurando ao mesmo tempo forçar essa ordem conforme a sua própria trajectória pessoal. Como refere BAUDRILLARD (1995, pp. 76:
“Fora do campo da sua função objectiva, em são insubstituíveis, e no exterior da sua área de denotação, os objectos tornam-se substituíveis de modo mais ou menos ilimitado no campo das conotações, onde assume valor de signo. Assim, a máquina de lavar roupa serve de utensílio e funciona como elemento de conforto, de prestígio, etc. O campo do consumo é o que nomeou em último lugar. No seu interior, todas as espécies de outros objectos podem substituir-se à máquina de lavar como elemento significativo. Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objectos deixam de estar ligados a uma função ou necessidade definida, precisamente porque correspondem a outra coisa, quer ela seja a lógica social quer a lógica do desejo, às quais servem de campo móvel e inconsciente de significação”
É a mobilidade e a inércia social. Enquanto valores úteis, todos os bens são já comparáveis entre si, porque adscritos ao mesmo denominador comum funcional/racional, à mesma determinação abstracta. Só os objectos ou categorias de bens investidos na troca simbólica, singular e pessoal (o dom, o presente) são estritamente incomparáveis. A relação pessoal - a troca não económica – torna-os absolutamente singulares.
Assim, os objectos – simulacros são sinais característicos da felicidade. É uma perspectiva idealista constituída por duas dimensões: o crescimento é a abundância, a abundância é a democracia. Perante as necessidades, o princípio de satisfação, todos os homens são iguais diante do valor de uso dos objectos e dos bens (se bem que sejam desiguais e se encontrem divididos em relação ao valor de troca. A sociedade de consumo resulta do compromisso entre princípios democráticos igualitários, que conseguem aguentar-se com o mito da abundância e do bem – estar, e o imperativo fundamental de manutenção de uma ordem de privilégio e consumo.
Ainda sobre este assunto podemos citar RIOS JOSUÉ (1998, pp.17) que nos explica muito claramente a óptica de BAUDRILLARD sobre a sociedade de consumo:
“Vamos encontrar em Jean Baudrillard, análise ainda mais contundente acerca da sociedade de consumo. Para o autor, que formula a teoria da mercadoria-signo, não é a criação/satisfação das necessidades que constitui, fundamentalmente, o campo próprio do consumo. Afastando-se da ideia de que as mercadorias são meras utilidades dotadas de valor de uso e valor de troca, que poderiam ser associadas a algum sistema fixo de necessidades humanas, Baudrillard entende como característica primordial da produção em massa a supressão do valor de uso original e “natural” dos bens em favor do predomínio do valor de troca. Isso teria resultado na transformação da mercadoria num signo, cujo significado é determinado arbitrariamente por sua posição num sistema auto-reverenciado de significantes. O consumo, assim, não seria compreendido apenas como consumo do valor de uso, de utilidades materiais, mas fundamentalmente como o consumo de signos”
Bibliografia:
LIPOVETSKY, Gilles, 2007 [2006], “A Felicidade Paradoxal”. Ensaio
sobre a sociedade do Hiperconsumo. Lisboa: Edições 70.
SCANNELL, Paddy, 2008 [2007], “Media and Communication”, Londres,
Sage.
BENJAMIN, Walter, 1992 (1936-1939), "A Obra de Arte na Era da
Reprodutibilidade Récnica", in Sobre arte, técnica, linguagem e política,
Lisboa, Relógio D'Água, pp. 71-110.
BAUDRILLARD, Jean, 1991 (1970), “A sociedade de consumo”, Lisboa,
Ed. 70.
BAUDRILLARD, Jean, 1981 (1972), “Para uma crítica da economia
política do signo”, Lisboa, Ed. 70.
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