Recentemente coloquei aqui um post sobre uma entrevista de Pedro Costa. Nesse post encontrei no sentido das palavras de Pedro Costa um outro significado que de alguma forma conotei sobre o estado do cinema em Portugal. Por essa razão decidi reflectir um pouco sobre o assunto. Para começar talvez em Pedro Costa esteja reflectida o estado das coisas num aspecto em relação ao cinema em Portugal. O seu último filme Ne Change Rien teve estreia em Espanha no passado dia 11 de Junho, mais concretamente em Madrid e Barcelona bem como vai ter projecção em três salas no Japão: Tóquio, Osaka e Hiroshima. É um caso entre poucos que tem obtido reconhecimento internacional. Outro realizador português e também muito reconhecido a nível internacional é Manuel de Oliveira que é o realizador mais velho do mundo. São imensas as suas obras, das quais destaco a última O Estranho caso de Angélica.
Estes dois exemplos são poucos onde deveriam existir muitos. Mas onde está o problema no cinema em Portugal? Numa entrevista dada ou Correio da Manhã Paulo Branco foi capaz de responder a essa pergunta identificando alguns pontos onde o cinema em Portugal sofre problemas. A entrevista é de 2009, mas infelizmente ainda continua recente e bem presente. Deixo algumas partes que considero que tocam nos pontos essenciais. Não podemos esquecer que Paulo Branco é outro homem que no cenário internacional também detém alguma reputação.
Como está o estado actual do cinema em Portugal?
A época de ouro do cinema português, anos 80 e 90, quando apareceram pessoas como o Pedro Costa, o Manoel de Oliveira, oJoão César Monteiro, a Teresa Villaverde, o João Botelho, e hoje, a comunidade política e a comunicação social têm tendência a esquecer-se desse período que levou o cinema português além-fronteiras. A qualidade do cinema em Portugal só foi possível graças a uma estrutura que, mal ou bem, resistiu às mudanças de governo, às mudanças de ministros. Essas estrutura é que tem de ser reforçada e não questionada. O Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), com as diversas denominações que teve ao longo dos tempos, foi o instrumento número um, que possibilitou ao cinema português ter aquela áurea enorme técnica.
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Então o que passa no cenário actual do cinema?
Há uma grande ignorância e novo-riquismo os decisores que estremeceram, nos últimos três anos, esta estrutura que é indispensável e devia ter mais fundos para além da taxa dos quatro porcento. Em vez de ter havido o reforço dos meios do ICA, houve um deslumbramento para caçar, a qualquer preço, espectadores. O grande cinema não pode ser feito com esse espírito. Mais do que isso, houve um desvio de uma lei que nos punha ao nível da Europa e que, de certa forma, obrigava qualquer operador audiovisual a investir em cinema e audiovisual. Isso foi transformado num projecto que só tem trazido a pior confusão e um grande oportunismo. É quase um caso de polícia.
Está a falar do Fundo de Investimento no Cinema e Audiovisual (FICA)?
Sim, é um discurso demagogo e aldrabão e uma caça ao dinheiro do Estado, através do Ministério de Economia. Este fundo é uma lei desviada dos contornos originais e que promete retornos impossíveis de obter. É um monstro, um aborto, que não tem nada a ver com critérios culturais. Mesmo que um filme faça 300 mil espectadores, o retorno ao produtor são 150 mil euros e os filmes são feitos com, pelo menos, um milhão e meio ou dois milhões de euros. Portanto não há retorno (como é regra para obtenção do fundo). A Lei que devia fomentar a cultura acabou por ser esquecida e desviada.
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Os filmes apoiados pelo FICA não conseguem então cumprir a regra do retorno relativa a este fundo?
É uma profusão de audiovisual de baixa qualidade mas não consegue espectadores para dar retorno nem sequer a nível cultural. Só dá uma imagem do país inacreditável e ‘inexportável’.
Então acha que se devia abolir o FICA?
O FICA nunca devia ter existido. A única estrutura que devia gerir o audiovisual em Portugal era o ICA e sem permitir baixar a qualidade. Não sei quem vai querer comprar, lá fora, o ‘Equador’ e é inacreditável que o primeiro produto audiovisual sobre Salazar tenha sido aquilo (‘A Vida Privada de Salazar’). Estamos muito abaixo de Berlusconi. E isto tem sido feito com o beneplácito do próprio ministro da Cultura que diz que isto não tem nada a ver com ele e adoptou a posição de avestruz.
E o ICA serve os propósitos do cinema português?
Tenho muitas críticas ao funcionamento da instituição mas não ponho em causa a estrutura. Quero é o reforço da estrutura com um reforço de verbas e responsabilização na promoção e desenvolvimento da produção audiovisual, além da cinematográfica, e com critérios de qualidade. Deviam ser criadas condições para que o ICA funcionasse melhor: deixasse esta burocratização excessiva e reforçasse as suas receitas – até podia ser com o reforço de 1% do volume de negócios das televisões privadas –, ter uma maior preocupação na distribuição e exibição e uma transparência no apoio a festivais. E rever o incentivo a primeiras obras, assim é difícil surgirem novos realizadores...
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